Procuro refúgio todos os dias. Assim
que acordo, na rotina exaustiva, com longas caminhadas, música alta, palavras
vazias, pratos balanceados. Procuro refúgio dentro do meu quarto, no cigarro
matinal/pós almoço/intervalo de pensamentos/cura de tédio da espera, tudo isso
ao som da playlist mais triste do ano. Procuro refúgio nas pessoas que me
cercam, mesmo nas quem não tem nada a dizer. Mas principalmente naquelas que se
tornaram minha casa e talvez entendam toda situação, enquanto eu ainda me cego. E sempre, sempre procuro nos livros, nos favoritos que eu tentei tão
loucamente te justificar minha devoção, e você não entendeu. Você não me
entende. Me pergunto se sequer me escuta. E esta tua incompreensão me fez
duvidar. Logo eu, tão confiante que nunca duvidei de mim. Reli diversos textos
meus e tantos outros que me serviram de guia. Você destruiu a arte em mim. Fez-me acreditar que era pouco e isto
está me matando, um pouco mais a cada
dia.
(...)
Sonhei essa noite que explodia a
cozinha. Sabia que o gás estava ligado, mas não sabia como desligá-lo. Eu me
afastei e anunciei a todos ‘vai explodir, vai explodir, cuidado!’. Todos se
afastaram, esperei a morte ali, a e explosão veio. Intensa, concentrada, quase
sem ruído. A cozinha ficou lá, inteira, o fogo era pouco, um pouco pelo teto,
alguns respingos de vermelho no chão, mas a grande parte era só fuligem. E então
me disseram: ‘Bem, dá pra limpar ainda. Vai lá, Ana, o trabalho é seu’.