terça-feira, maio 09, 2017


1.
Conto nossa história. ou melhor, a minha e como você a invadiu. Invadiu mesmo. Se esgueirou sem convite, e pior, deixando claro que 'não'. Me queria mas 'não, não ainda'. E quando quisesse, não seria por muito tempo. Entre drinks de gin com pimenta, eu ri porque não era um diálogo e sim um monologo teu. Achava graça, porque não te queria. Achava graça porque eramos iguais. Compulsivos. Escreveu seu telefone num guardanapo, pediu que eu ligasse, várias vezes. Perdi o papel. Mas nessa vida, pra pessoas como nós, quando se quer, tudo se encontra.
Lembrava de você. Ou algo de você. 2014, abertura do estúdio, uma bela desculpa pra sair de casa. Haverá famosos, uma dizia. Haverá bebida, eu pensava. 2015 e mais uma visita rápida. Me lembro desse dia, me disse. Eu duvidei, mas gostei do flerte. No ano seguinte, lá estávamos de novo, mesmo estúdio, numa visita por acidente, num ato de rebeldia num dia de semana chuvoso. Algo pra comer, algo pra beber. Falamos, falamos e falamos. Gostou da minha ousadia. Gostei que gostou da minha ousadia. 
Até ai, respaldos da minha vida que não entram nessa história (diretamente) mas um clássico da geração millenium cheio de necessidade de aprovação. Sexo demais, amores de menos. Ainda assim existiu. Um ou outro, que desapareceu sem muita explicação, que fechou a porta já avisando que não voltava mais, que deixou todas as coisas lá em casa sempre com a desculpa pra voltar. O engraçado é que existiu um padrão em todos eles: o cheiro. Te contei disso no nosso primeiro encontro oficial, que até começou bonitinho: peça de teatro, cerveja com os atores, um empanada antes de virar o dia e aí, uma casa de swing. Um convite para o que nunca havia sido feito antes. Uma vontade doida de sair daquele vazio das rotinas, tanto meu quanto seu. Olha ai, nos conhecemos presos num mesmo inferno mas percorremos caminhos tão diferentes pra chegar lá. Queríamos fugir mas sem realmente sair do lugar, não ainda. Buscávamos uma companhia pra expressar tudo aquilo que tanto nos devorava e nos tornava... bem, nós mesmos. De uma maneira ou outra, o objeto de fascínio daquele que já nos acompanharam, que no final, custava tanto para todo mundo. 
De volta à casa de swing, depois da análise da mulher nua que, enquanto gozava, lembrava a pintura de Cavaraggio e antes da amizade com D. Vanda, a senhora da limpeza e dona do coração mais doce do recinto, te contei que enjoava rápido e o primeiro que me gritava era o cheiro. Não gostava mais do cheiro das pessoas porque não gostava mais delas ou por não gostar mais delas, não gostava do cheiro? Explicação puramente física-química, tenho certeza, mas nada me convence da ordem dos fatores. Segue a biologia algo sobrenatural para o decorrer dos fatos ou a mágica é toda matemática? 


Falamos disso, falamos de passado, nos consumimos em vícios e olhamos outros corpos sendo apalpados, chupados e fodidos. É óbvio que me assustei. Grudei em seu braço como uma menina, meus olhos, caídos por natureza, se cerravam de vergonha. Não quis falar, não quis envergonhar, mudei a pose e encarei. Que vazio, cara. Que falta de tesão era aquele lugar. E que dúvida você me deu. Pensei 'ele se excita com isso?' Antes que eu te perguntasse, você me respondia:
- Isso é um experimento cultural. Isso é aprendizagem, é pra inspiração. Se você me perguntasse se sou pessimista ou otimista, sou bem pessimista. Olha isso, olha todas essas pessoas. 
Eu não acreditei bem na sua resposta. Afinal, que vazio tão grande você  precisava me mostrar ali que já não estivesse escancarado no dia a dia de cada pessoa? Entendi, já naquele momento, como nossa vida não se encaixava muito. Não víamos as mesmas coisas no mundo. Você já há anos liberto de agonias que eu agora começava a sentir. As dores da rotina, da idade que começa lentamente a chegar, o medo da solidão compartilhada, a dor de viver fazendo o que não se ama, por tanto tempo e para nada. Eu sofria de ataques de pânico há mais ou menos uns oito meses já. Cheio de um silêncio agressivo, que não sumia até que eu forçasse a me esquecer da dor. Ai, rapaz, valia tudo. Drogas, trabalho, rotina, qualquer risada ou qualquer mentira. Mas desde você, desde você as crises não vêm. Mas tampouco me escondo. Você é, como havia já havia previsto desde o princípio, meu melhor e pior relacionamento. Eu nunca mais tive uma crise. Mas não sei se consigo ser feliz. 
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fica o que não se escreve.