Você me abre a porta e já me sabatina: "que te parece essa música?", "você julga?", "isso me faz gay?" Um sorriso mole, a camisa meio suja e um beijo molhado. Teus cachos se entrelaçam na minha franja e eu já me perguntando "que diabos eu tô fazendo aqui?"
Reclama do seu cabelo comprido, fala do trabalho, fala das viagens, comenta passagens do escritor peruano, lembra de algo e corre pela casa pra me mostrar entre sorrisos tortos e olhares de dúvida. "Ela me entende?". Te cito duas músicas e você já emenda sete. Comento meu escritor favorito e lá vai você, lembrar da última vez que tomaram cerveja em Nova York e você encheu o velho de entorpecentes. Eu me canso. Sou sempre o lado pesado da balança, amigo, mas contra você, sou peso pena.
Quando dou por mim, me arrasta pra cama e sussurra desejos, sonhos de noites passadas, palavras de escárnio mescladas com doçura. Me domina, com corpo e com sua voz. Quando termina me chama de louca, louquinha, pirada. "Tá aqui só pra me enlouquecer, é?". Quero dizer que sim mas quero fugir. Você me cansava. Três horas contigo era de um esforço que poucos sobrevivem. Me levanto para um cigarro, reflito antes na sua estante, talvez meu maior fetiche, e vejo sua foto com seu filho. Ali sua robótica de gênio esquizofrênico se esconde, morre, desfaz. Ali é um sorriso (ainda torto), o menino nos braços e a grama verde verdinha do parque. Minha mente viaja. Penso na mãe, penso na gravidez, penso se houve casamento e começo a cantar Rubel baixinho. Eu sempre escutei Rubel pensando em você, porque eu sabia que nunca daria certo, como não deu, mas eu pensava "eu sei vai dar errado, a gente fica longe e volta a namorar depois". Um presságio, meio vontade, meio ojeriza.
Você surge do seu quarto, meu casaco nas mãos e um bocejar nos lábios. "Babaca", eu penso. Uma coisa é eu querer ir embora, como já queria, outra coisa é você me tocando daqui. Mal vejo meu pequeno prédio numa rua vazia em casa, uma mensagem.. Outra no dia seguinte e mais uma na manhã que vem. "Foi a última vez", me repito. "Chega, chega!". Uma cerveja e um desabafo entre amigos. Duas e "não fode" vira "talvez talvez". Na terceira te ligo. "Vem, meu amor, pode vir."
"Que te parece essa música?"