quinta-feira, março 14, 2013


Olhando de longe, sob a guarda da noite, tinha a certeza que eram duas pessoas. Eu tive essa certeza por muito tempo.  O delinear dos corpos, até um movimento de vez em quando. Era um prédio em construção, os dois lá, sentados no campo de obras, falando, simplesmente discutindo. Entre cigarros, durante o intervalo, qualquer assunto. Prazo de entrega, a merda que o Carlos tinha feito mais cedo, que por pouco não derrubou o Zé. ‘Você viu a cagada, cara? Quase, mas quase mesmo!’. Falavam também sobre voltar, terminar tudo aquilo e voltar pra casa, pra braços quentes, uma criança chorona que lembrava a mãe tanto de olhos secos como molhados. Ou sobre uma casa talvez vazia, fria como a cerveja que os esperava no samba de domingo. Tava armado ainda, né? Tudo certo pra acontecer? ‘É claro que sim, porra!’ Que falte tudo, mas não o samba do domingo. Eu imaginava toda a conversa. Formava seus rostos na minha mente, suas vestes, as botas sujas de cimento, a roupa, que nem era tão velha assim, mas carregava em si o peso de toda uma história. Eu focava mais meu olhar pela janela, tentava entender aquelas silhuetas. Eram corpos ou um jogo de sombras? Aqui eu estava, inventando passados e dando nome às sombras. Mas não era algo costumeiro isso? Criar coisas, inventar fatos e até criar um laço. 
E depois chamar isso de vida. 
Chamar de seu.
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fica o que não se escreve.