Olhando
de longe, sob a guarda da noite, tinha a certeza que eram duas pessoas. Eu tive
essa certeza por muito tempo. O delinear
dos corpos, até um movimento de vez em quando. Era um prédio em construção, os
dois lá, sentados no campo de obras, falando, simplesmente discutindo. Entre
cigarros, durante o intervalo, qualquer assunto. Prazo de entrega, a merda que
o Carlos tinha feito mais cedo, que por pouco não derrubou o Zé. ‘Você viu a
cagada, cara? Quase, mas quase mesmo!’. Falavam também sobre voltar, terminar
tudo aquilo e voltar pra casa, pra braços quentes, uma criança chorona que
lembrava a mãe tanto de olhos secos como molhados. Ou sobre uma casa talvez
vazia, fria como a cerveja que os esperava no samba de domingo. Tava armado
ainda, né? Tudo certo pra acontecer? ‘É claro que sim, porra!’ Que falte tudo,
mas não o samba do domingo. Eu imaginava toda a conversa. Formava seus rostos
na minha mente, suas vestes, as botas sujas de cimento, a roupa, que nem era
tão velha assim, mas carregava em si o peso de toda uma história. Eu focava
mais meu olhar pela janela, tentava entender aquelas silhuetas. Eram corpos ou
um jogo de sombras? Aqui eu estava, inventando passados e dando nome às
sombras. Mas não era algo costumeiro isso? Criar coisas, inventar fatos e até
criar um laço.
E depois chamar isso de vida.
Chamar de seu.