Da série: e-mails que nunca vou mandar [1/1]
A gente sempre
teve uma filosofia mentirosa. De quem poderia falar tudo um com o outro. Isso
não é verdade. Mas acho que acreditávamos nisso. E por isso, nunca podíamos ser
completamente abertos. Porque tínhamos que falar tudo – e sejamos sinceros – ninguém,
nunca, fala tudo. E eu até acho isso certo. Teria pavor de conseguir ler a
mente de alguém. Odiaria saber o que as pessoas realmente pensam de mim. E me
apavora a ideia de alguém me entender completamente.
Talvez já se tenha passado mais tempo que
devia e eu não fale realmente as coisas que eu devesse. Esqueço de tudo
muito rápido. Uma qualidade ou um defeito, não sei ainda. Mas prefiro não
arriscar deixar essa conversa pra depois, quando aquele dia – o da
não-despedida - for somente uma lembrança incrivelmente distante e eu fazer
menos caso do que deveria. Já sinto que o faço. Enfim, chego lá logo.
Como já disse, nunca falamos tudo
que devíamos um ao outro, e eu nunca conseguiria. Não sou uma boa mentirosa,
mas sou ótima em omitir coisas. E sim, existe uma bela diferença. Todavia, quando escrevo, me sinto mais exposta. Se
não me compreender aqui agora (e novamente, nunca totalmente porque não me
sinto à vontade assim), então talvez nunca o faça. Acho que tenho um problema
sério de confiança. Primeiro, em mim mesma. Já comentei isso, não sou boa com
relacionamentos. Culpo todos os livros que li. Busco – mesmo que secretamente –
paixão em tudo que me faz e me envolve. Mas não só paixão como eternidade.
Quero algo que me envolva sempre e a todo momento. Isso não existe, certo?
Biologicamente impossível. Paixão dura de seis meses a oito anos, meu professor
de biologia do cursinho sempre dizia. Dedico minha vida então a provar o
contrário. E isso me fode, completamente.
É esse o primeiro motivo que eu
não quis te ver de novo naquele dia. Eu preciso de paixão. Paixão cega, boba, eu quero ter frio na barriga e vontade
de repetir seu nome pra todo mundo. E eu não tinha isso. Contigo, eu tinha uma confiança cega. Segurança de me jogar pro
que fosse e saber que não tinha problema algum porque você estava comigo. E
isso eu nunca tinha sentido com ninguém. Às vezes tenho a impressão que você
foi uma das pessoas que mais se importou comigo. E é muito bom se sentir
querida. E aí entra meu segundo erro – zona de conforto.
A outra razão pela qual não quis te ver. Eu
precisava que você levasse a pior lembrança de mim pra esse futuro. Tenho pavor
da ideia de você ficar me esperando. Estou sendo completamente sincera quando
digo que adoraria que você o fizesse, mas não por amor, não por desejo e muito
menos por paixão. É por medo de perder essa confiança, esse apoio... essa
pessoa que você se mostrou ser. Mas compreende aqui o quão errado e
mesquinho seria? É por isso que eu não conseguia te olhar nos olhos
sempre que a gente estava junto. Porque eu sabia, sabia que não era
certo. Mas que fique bem claro aqui: eu nunca fingi, nada. Fiz tudo que tive vontade, e gostei dos
nossos momentos juntos. Mas nunca tive certeza. Sempre, logo
após, me amarrava a boca, numa sensação... de ilusão. Dá pra entender? E você, você não via isso. Começava a falar – sempre sincero de
início – e no final, um emaranhado de falta de confiança. E eu tinha cada vez mais certeza do que aquilo não era... bem, que simplesmente não era.
Por último, talvez você não
entenda isso, mas eu odeio despedidas. Não do tipo ‘não quero dizer adeus
porque não gosto da ideia de não ver mais a pessoa’. Não, eu odeio falar tchau,
abraçar, falar que vou sentir saudades. Eu odeio isso. Um porre
gigantesco.
Enfim, sei que isso devia ser um
longo pedido de desculpas – te devo isso e aproveito pra dizer agora, desculpa,
de verdade, se o magoei – mas eu acho que se voltássemos aquele dia, eu teria
feito exatamente igual.
Um abraço, um beijo. Pra você, pro McCartney e pra Jane Asher.