A música tocava há horas, a mesma música. O mesmo maldito verso. 'não adianta', eu te repeti, 'não entendo, não consigo prestar atenção'. Os versos são limpos, as palavras de uma claridade surreal. 'Sou eu, eu sei que o problema é comigo'. Não quero escutar porque temo entender. Não quero entender porque não quero te pedir pra ir embora. Mirei o relógio perto da janela, o sol já tinha partido. Meu estomago se contorceu e desvaneceu internamente, em pó, em ausência. O coração, em sequencia, derreteu e inundou tudo por dentro.
'Vou te contar um segredo', eu pensei. Cheguei bem perto, encostei meus lábios no seu ouvido, mas não consegui sequer falar essas primeiras palavras. Primeiro porque não faço afirmações, senão para cumpri-las. E segundo, e mais importante, se eu tivesse que te contar, contar que por dentro sou tão vazia, tão oca que nada justifica qualquer peso que eu sinta nas costas ou pernas, a não ser é a simples consciência matutina, e que, ainda assim, todas às noites se desfaz, e me obriga me amarrar à cabeceira na minha cama, só pra garantir que não saia flutuando por ai janela afora. Entendeu porque nunca te deixei dormir aqui? Toda essa frieza na qual você insistia, tal como aquela teoria de 'paixãoversusamor aplicada à carne' que você adoraava repetir, tudo baboseira, meu amor, nada de babaquice de alma ou uma fila de amantes ao longo da madrugada. Só um segredo, segredo inexplicável do tipo 'Benjamin Button', que você, você dentre todas as pessoas, não entenderia. Não entenderia minha necessidade de alçar voo todas às noites por uma simples questão de vazio interno. Você não entende o vazio.