quarta-feira, maio 23, 2012

Eu fugi. Decidi que precisava ter pés no chão, cabeça pequena e futuro planejado. Fugi porque achei que precisava de sanidade, de um emprego comum, um marido comum e hobbies patéticos. E arranjei todas essas coisas, e desde então, tenho sido tudo, menos feliz.
Não me entenda tão mal e literalmente assim. Fui capaz de sorrir e amar nos últimos três anos de cegueira opcional, me entregar a ocupações tão fora da minha realidade pessoal, e até chegar acreditar que pertencia àquilo. Mas quando se observa o quadro todo, a falta de foco, o deslocamento é tão óbvio que só posso rir e pensar que sou uma mentirosa muito habilidosa, por realmente me deixar acreditar na história toda.
Devagar, eu fui deixando a verdade invadir, me dominar, tristemente. Primeiro, foram os olhos. Olhos de cigana oblíqua e dissimulada, olhos de Modigliani, olhos de peixe, olhos de ressaca constante. A solução foi simples, na verdade. "Fecha, fecha e continua andando, o caminho é fácil, deixa se levar pela multidão".
Depois, meus ouvidos. Deus sabe a dor que levou fechá-los, mas o fiz. Adeus a Cartola, Bob Dylan, Tom Waits e toda poesia sonora. Adeus aos conselhos que me repetia todas as noites, adeus a todas as palavras cantadas, adeus, adeus.
Depois disso, foi tudo meio junto, meio confuso, cego e surdo. Não saber porque/como/quando/aonde comer, vestir, com quem andar ou simplesmente andar. Certas vezes, entre às dúvidas, decidia que não precisava, não queria e morria dois, três dias. 'São as novas pílulas, os nervos, já já eu volto, mundo, não se preocupa não'. E não se preocupavam, porque, na verdade, que falta faz aquilo que não soma?
Um dia, entre taças de vinho e o passado, senti o leve despertar. Mais semelhante a uma faca no estomago, um soco n'alma, acompanhado de um som agudo, tão agudo que atingiu a surdez, e, por um momento de lucidez, vivi. Atravessei oceanos e me apaixonei. Lá estava eu, vivendo dois meses com mochila nas costas, câmera na mão e um mundo todo desconhecido a frente. Olhos abertos e ouvidos atentos, eu vivi.
A lembrança é deturpada, sonhadora, saudosista, mas real. Tão real que me amarrei com força no passado para ter certeza que jamais, jamais eu me deixaria morrer novamente. Mas a rotina, a cretina segunda-feira chega (e ela sempre chega), não havia nada mais o que fazer. Um coma. Estar viva e não se poder fazer nada, a não ser esperar, esperar, esperar que termine, que as amarras daquela lembrança fossem mais fortes que a realidade atual.
A libertação final me atingiu agora, com ajuda de Brod, uma das mulheres gatos de Jonathan Safran Foer quando insistiu em falar sobre a incapacidade de amar e ser sincera ao mesmo tempo, sobre os sonhos repetidos e os diferentes tipos de tristeza. E então eu vi, numa epifania com um quê de deja vú, com a clareza do passado dos sonhos de uma menina de quinze anos: eu me vendi e me perdi. Agora, vou fazer diferente, eu vou tentar. Eu vou ser o que sou melhor: minhas palavras.
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fica o que não se escreve.