quinta-feira, julho 12, 2007

- quando você coloca lado a lado a foto de dois rostos diferentes, fica espantado com tudo que os diferencia. mas quando tem diante de si duzentos e vinte e três rostos, compreende, de repente, que não vê senão numerosas variantes de um só rosto, e que nenhum indivíduo jamais existiu.
- agnes, disse paulo e sua voz subitamente tornou-se grave, seu rosto não se parece com nenhum outro.
agnes não notou o tom de sua voz e sorriu.
- não sorria. estou falando sério. quando amamos alguém, amamos seu rosto, e assim o tornamos totalmente diferente dos outros.
- sei disso. você me conhece pelo meu rosto, me conhece como rosto, e nunca me conheceu de outro modo. assim não pode ter-lhe ocorrido a idéia de que meu rosto não fosse eu.
paulo respondeu com a solicitude paciente de um velho médico:
- como você pode pretender não ser seu rosto? o que existe atrás do seu rosto?
- imagine que você tenha vivido num mundo em que não existissem espelhos. você teria sonhado com seu rosto, o teria imaginado como uma espécia de reflexo exterior daquilo que se encontra em você. e depois, suponha que com quarenta anos tenham lhe estendido um espelho. imagine seu espanto. teria visto um rosto totalmente estranho. e compreenderia nitidamente aquilo que recusa a admitir: seu rosto não é você. (...)

milan kundera.
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fica o que não se escreve.