terça-feira, junho 19, 2007

então é isso, o fator temporal. um comichão e meias palavras. esperei minha vez, paciente. repassei mentalmente todo o texto que havia escrito e reescrito, me desesperei quando não conseguia lembrar o que havia de ser dito primeiro, seria desalento e desconsolo ou desconsolo e desalento?
nas cadeiras a frente, um par, que tão certo do seu amor, se consumiam num só abraço, "não me deixa, não me deixa.." dizia a pequena brecha de seus corpos que não se uniram. "vai comigo, é esse o caminho, não me deixa..." quando enfim se separaram, o nome da garota evacuou pela sala, deu um beijo nos olhos do amante e saiu, firme, sem olhar para trás. no garoto, um suspiro de alívio, de liberdade, de leveza..
ao lado do casal recém separado, um senhor que, segurando o chapéu entre as mãos, parecia dormir, com uma respiração lenta, que sugava todo o ar da sala para dentro de si, e com uma delicadeza quase feminina, o devolvia puro, vivido. esqueci o meu discurso e imaginei porque ele estaria ali. um amor perdido, um filho mal-amado, câncer, imposto de renda, medo da chuva..? talvez tudo isso, ou a simples sensação de empatia.
pela porta, entrara uma moça, olhar confiante, pose ereta. "enfim, um desafio" pensei comigo. porque alguém como ela estaria ali? o velho olhou a rapariga com a boca semi-aberta, uma cara de sono desperto por alarme. o rapaz, recém-solteiro, esfregou os olhos vermelhos e se fez homem. a moça, não se deixando aparentar abalada com a curiosidade, falava alto consigo mesma, enquanto procurava na bolsa os palavrões que soltava sem motivo nenhum, abriu a porta, se explicando a multidão "as chaves, o celular, lenço, a coragem..." saiu mais rápido do que entrou. todos voltaram a pose anterior, talvez tristes em pensar que todos ali eram os mesmos.
no momento pendente ao tédio, apoiei minhas mãos entre a cabeça, e pensei o que estaria fazendo. quiçá era hora de inventar uma história para minha pessoa, mais triste, emocionante, apaixonada. olhei para o rapaz e desejei profundamente que todo o sentimento entre ele e sua namorada fossem mentira. nada de amor, apesar uma foda que se conformou durante os anos.
agora era o meu nome que chamavam, os olhos de mentira espalhados na sala me cercavam e todas as histórias eram sobre mim. abri a porta lânguida, e me encontrei num lugar claro, não se via mais que as luzes reproduzidas no chão. quando uma interrogação foi jogada no meu colo, tive somente uma resposta nítida:

- tenho vícios como temporais.

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fica o que não se escreve.