sábado, abril 21, 2007


"de caráter. ele ouviria a ordem e continuaria deitado na almofada,
olhando."






"gatos"
ele fixaria em deus aquele olhar de esmeralda diluída, uma leve poeira de outo no fundo. e não obedeceria porque gato não obedece. às vezes, quando a ordem coincide com sua vontade, ele atende mas sem a instintiva humildade do cachorro, o gato não é humilde, traz viva a memória da liberdade sem coleira. despreza o poder porque despreza a servidão. nem servo de deus. nem servo do diabo.
mas espera, já estou me precipitando, eu pensava naquela fábula da infância: é que deus nosso senhor pediu água ao cachorro que lavou lindamente o copo com sorrisos e mesures foi levá-lo ao senhor. pedido igual foi feito ao gato e que fez o gato? o fingido escolheu um copo todo rachado, fez pipi dentro e dando gargalhadas entregou o copo nojento na mão divina.
acreditei na fábula, na infância a gente só acredita. mais tarde, conhecendo melhor o gato, descobri que ele jamais teria esse comportamente, questão de feitio. de caráter. ele ouviria a ordem e continuaria deitado na almofada, olhando.

lygia fagundes telles
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fica o que não se escreve.