Escrevo cada palavra sob seus olhos
vigilantes, olhos que não me compreendem por inteira, nem minhas idéias, letras
ou língua. Mas de qualquer forma, me sinto completamente constrangida por
fazê-lo. Sempre zelei pela paz da minha escrita que somente reportam o que
passei o que senti, e nunca o presente. Talvez nada descrito antes seja tão certo como esse agora, já
que as memórias, ah meu coração, as memórias são mentirosas. Influenciadas pelo
que jamais deveriam ser – a consciência. Ou a ausência total dela. Faço algo
então inédito, a seu comando, narro de acordo com o momento, a verdade do
presente vivo, que ainda escorre de dentro de mim, terminando de me
consumir.
Há poucos segundos, depois do depois, examinei no reflexo da
penteadeira nossos corpos tão imperfeitos completamente nus, que em nada
representam o que imaginamos ser, agindo como uma gaiola que prende aquilo que
realmente sentimos ser – e esse corpo (que é meu mas não sou eu) lhe disse que
só conseguia imaginar esse rosto (que leva em si a mesma essência do corpo) assim –
perto do seu. Você então o uniu com suas mãos e o selou com os lábios. Eu sabia
que pertencia ali. ‘Minha’, você dizia tão pesadamente, de sotaque e verdade.
‘Minha, minha’. Só me chamava assim quando era verdade, e engraçado, sempre em
segredo. Te repeti essa constatação, essa epifania da nossa existência conjunta, porém desconfugirada, não nessa língua que agora escrevo e
você tão pouco entende, e sim na tua própria, em qual eu tão francamente tento me expressar e na leveza das palavras me deixo enganar.
Você me olhou longamente e então saiu a procura de algo e finalmente encontrou esse caderno – surrado, viajado e completamente sincero.
- What’s that? – você
questionou.
- That’s all the others who had once existed. All of me and soon, it will be also us. In words.
You and me.
- Write it down, then. This, this night and this moment. Write it down all you told me about your face,
as you see it right now, not existing without mine. And please, do it clearly
and leave no doubt, so I can’t be sure you won’t forget nor deny me. Write
about how we, here and right now, depend on each other.
E aqui está. O que nós estamos
sendo, e, enquanto palavras, eternos e sempre presente.