quarta-feira, setembro 17, 2008

Ehud, tua macieza me voltando, lividez do teu rosto, dentes saliva, espasmo vivo e grosso, que coisa o corpo vivo e jovem, que rutileza lá dentro, quantos anos temos agora? vinte? vinte dois? vinte cinco? o pranto da velhice relembrando, o pardacento, o esfarinhado sobre a mesa, era o pão? que coisas tínhamos sobre a mesa?
romãs e laranjas.
o esfarinhado no corpo da alma agora, papéis sobre a mesa, palavras grudadas à página, garras, frias meu Deus, nada me entra na alma, palavras grudadas à página, nenhuma se solta para agarrar meu coração, tantos livros e nada no meu peito, tantas verdades e nenhuma em mim, o ouro das verdades onde está? que coisas procurei? que sofrido em mim se fez matéria viva? que fogo, Hillé, é esse que sai das iluminuras, folheia, vamos, toca
se está muriendo, si, que gemidos meu Deus, não tenho muito tempo, muitos que se foram estão por perto, é a hora, viver foi uma angústia escura, um
nojo negro
não fales assim, não o ódio agora, o ódio não
viver é afundar-se em cada caminhada, como me arrastei, que peso, que vaidade, e tu uma ternura sobre os meus ossos, uma redondez sobre os espinhos, um luxo de carícias
aquieta-te, deixa-me limpar o molhado da cara
a gosma da boca, aqui, limpa, já está bem, está bem, preciso continuar, olha, quis te tocar lá dentro na ferida da vida, ouviste? segurei o toque para te fazer em dor, em mais dor, ouviste? ah cadela lixo porca maldita eu mesma
não fales assim, não esta hora
não é hora da morte? por que me interrompes nesta hora? cala-te, é morte minha. sempre que te deitavas comigo, homem, a carne era inteira loucura e sedução, não enfiava os dedos, o sexo, não sentias?
sim
a vida foi isso de sentir o corpo, contorno, vísceras, respirar, ver, mas nunca compreender. por isso é que me recusava muitas vezes. queria o fio lá de cima, o tenso que o OUTRO segura, o OUTRO, entendes?
que OUTRO mamma mia?
DEUS DEUS, então tu ainda não compreendes?

Hilda Hilst.
.
.
.
fica o que não se escreve.