quarta-feira, junho 25, 2008

Era um rapaz moço, tão indiferente que me ardia os olhos esboçá-lo. Dono de uma singela aparência adormecida, me faz odiá-lo e querê-lo enlouquecidamente. De suas características, destaca-se estranha mania de ouvir exatamente o que quer ouvir. Reclamações? Barulho no ônibus? Chororô e crise existencial? Sequer reconheceria se escutasse. Desligava-se, sendo a máquina que somente ele sabia ser; as pessoas falavam e falavam: sobre ele, sobre o tempo, falavam nuas sob as camas e sobre as camas. Ele já não estava ali.
Quiçá o real mistério não era saber como ele fazia, e sim, para onde ele ia. O físico nada mais se transformava do que em uma capa, as roupas e o semblante perdiam as cores. Se houvesse vento, engolia. Se existisse sol, apagava. Negava tudo que incrementava o cenário, envolvia-se nele
próprio, maravilhado com a complexidade do maquinário; sangue, aorta, capilares, veia cava e átrio, vasodilatação, nervo, contracção muscular, osmorregulação, faringe, esôfago, duodeno, delgado e grosso.
Mesmo que entretido, mexia-se vagarosamente, reflexo da realidade interna, tamborilando os finos dedos e movimentando metodicamente as longas pestanas para aguar dos olhos. Quando retornava (se retornava), partia exatamente do momento do abandono. Este era seu segredo; o motivo por qual se tornara alvo de tanto amor; a longevidade de seus atos gerada pela sua partida. Em especial, o ato amoroso, longo, paciente, estarrecedor. No retorno, explodia e fazia-as pensar que todo o gozo lhes era pertencido, mesmo que em sua mente, ele podia tanto estar lembrando dos afazeres domésticos como imaginando o corpo ao avesso.
A possibilidade de pensar em outra também existia e era não somente assustadora como plausível. Preso com suas vísceras e plaquetas, era os único que sabia do amor que sentia (se sentia) já tinha (ou teria) dona. Este, porém, existia na memória, passível e fraco, dominado pela vontade da volta, e também pela incerteza deste mesmo fato.
Oh, pobre rapaz que objeto se tornara. Se soubesse do triste fim que eu lhe desenhava, talvez não sonhasse tanto. Talvez decida ler em vez de sonhar. Talvez decida.
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fica o que não se escreve.